O Fusca e a Baleia
Ressignificações na rua
Por Márcio Silveira dos Santos O “espaço” desde o tempo dos gregos foi assunto de inquietude do teatro. Já, para a linguagem do teatro de rua é uma inquietude urgentíssima e infinita. Tanto que há muito tempo passa a ser condição sine qua non de investigação dos grupos teatrais, ocasionando em seu processo criativo um ganho significativo. Os espetáculos de rua passaram a constituir nos últimos 25 anos um leque muito grande de ressignificações do espaço da encenação e do que nele circunda. Com o passar dos anos está busca investigativa e experimental tornou-se um dos ingredientes indispensáveis e essenciais aos artistas rueiros na concepção de suas estéticas espetaculares. Ao desenvolverem suas concepções os grupos de teatro de rua, se apoderam do que a rua oferece de manancial criativo e passam a utilizar muitos elementos presentes no espaço público. Vários elementos ganham ressignificações na cena, alguns casos de formas sutis e outras mais radicais. O automóvel em cena, para mim, é um caso fascinante, pois a forma com que muitos grupos utilizam, seja na forma mais fantástica e imaginária possível, ou na sua forma simples de veículo de transporte e locomoção, ainda sim apresenta uma potência curiosa no espetáculo. A utilização de veículos automotores em cena teve seu momento bem marcante em 1992 com o Grupo Galpão (MG) que estreou Romeu e Julieta com um carro Veraneio em cena, desde lá muitos espetáculos tiveram outros veículos, recordo do Grupo de Pernas Pro Ar (RS) com seu carro Chevette, o Grupo Rosa dos Ventos (SP) com um carro Opala, Cia Sinequanon (RJ) com um Veraneio também, e já vi muita Kombi, ônibus, Caminhão, mas Fusca pelo que eu recordo ainda não. Pois foi um Fusca ano 1975 que o Grupo UEBA – Produtos Notáveis, de Caxias do Sul (RS) trouxe para a cena na rua em seu mais recente espetáculo de teatro de rua: “As Aventuras do Fusca a Vela”, que estreou neste mês de Maio de 2015 (23 anos após os mineiros). O grupo utiliza em toda a encenação de forma muito criativa e funcional este veículo automotor da marca Volkswagen (em língua alemã significa “Carro do Povo”). A Gênese de trabalho deste espetáculo vem do sonho antigo do artista hiperativo Jonas Piccoli que há quatro anos desejava realizar uma encenação baseada em algumas histórias relativas ao mar, muitas destas do livro “Moby Dick”, de Herman Melville, e como parte maior do cenário teria um fusca em cena. Contemplados pelo Prêmio Anual de Incentivo a Montagem Teatral de Caxias do Sul (RS) a trupe passou a desenvolver o projeto. Durante as pesquisas dramatúrgicas, deste dramaturgo que vos fala, descobrimos que o coração de uma baleia adulta é aproximadamente do tamanho de um fusca. Fato que motivou a explorar muito mais este achado, pois o fusca-coração é o motor do maior mamífero do planeta, e o fusca-cenário seria o motor do espetáculo. O fusca então é ressignificado em coração palpitante através dos atores que o transformam em ferro-velho, em barco baleeiro (o famoso Pequod do Capitão Ahab), em baleia (a própria Moby Dick), e o que mais nossa imaginação permitir ao embarcar nas aventuras do Fusca a vela e a equipe de atores-marinheiros do Grupo UEBA Produtos Notáveis: Aline Zilli, Jonas Piccoli, Bruno Zilli e Rodrigo Guidini, exímios artistas de rua. O resultado é surpreendente, pois o fusca não apenas se locomove como também foi todo adaptado, pelas mãos da equipe do André Gnatta, para outras funções incomuns em um carro. Mudanças e funções que ainda não havia presenciado em outros espetáculos com veículos automotores em cena. Há que lembrar também do trabalho incrível de Raquel Cappelletto nos figurinos no estilo Steampunk; nos Bonecos do Nazareno Bernardo; na hipnótica trilha sonora feita pelo Coletivo Ccoma; na orientação de maquinaria, e traquitanas, de Luciano Wieser e Raquel Durignon. Um trabalho profundo e de um mergulho coletivo destes artistas envolvidos. Desejo uma vida longa e como diz o final do espetáculo: Navegar é preciso!
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