Para que serve a Arte?
Por Maya Falks Existe alguma coisa que te toca? Arte é certamente a mais inexplicável das sensações. Sim, sensações. Por mais palpável que seja o objeto de arte – um quadro, por exemplo – não é a tela, a textura, a tinta que te toca, mas o universo que o artista ali colocou. Mesmo que se possa tocar, o toque só se converte em arte ao provocar uma sensação. E sempre provoca. A beleza da arte é exatamente a capacidade de converter o abstrato em uma sensação, em um sentimento. Talvez por isso a arte seja, por excelência, revolucionária: ninguém sai ileso dela. É impossível não ser transformado pelo que te toca, pelo que te encanta, pelo que te faz sentir. Sair da zona de conforto, experimentar algo novo, inexplicável, transcender a barreira daquela realidade cinza, bege, gelo. A arte, sensorial, também é uma força da natureza tal qual temporal. A aquarela foi inventada por quem queria imitar as cores das folhas, das flores, dos rouxinóis. A poesia foi inventada por quem não podia mais manter suas dores e amores trancafiados dentro de si. A música foi inventada por quem compassava seus passos ao som dos pássaros. O teatro foi inventado por quem queria recriar a vida. Do natural ao natural. Da imitação do que é bom, da exposição do que é mau, a arte encontrou morada na alma de cada artista, que vive de inventar vida onde antes era só a monotonia da rotina. Nada novo sob o sol até chegara aquele que, por tanto, serviu de mau exemplo aos lúcidos, cantarolando dores, representando caricaturas, moldando gente que sequer existia. A arte, sensorial e força da natureza, é também um grito. De liberdade? De dor? Um chamado à revolução? Um grito. De alívio. É quando tudo aquilo que tá engasgado na alma salta pra fora em alto e bom tom. Num palco, na rua, no chão batido, seja onde for, quando um ator encena o ato, ele fala por ele, por mim, por nós, por todos. Dali sai muito mais do que uma história que faz rir ou chorar. Sai a casquinha da ferida. A pele volta pro lugar. Um grito que ecoa e não encontra limites nem nas barreiras do som. Então a arte, sensorial, força da natureza, grito, também é liberdade. Sim. É liberdade. Quem nunca ouviu as histórias dos antepassados que, aprisionados, encontravam na arte sua sobrevivência? O blues nasceu nos campos de algodão e traziam os lamentos dos escravos arrancados de casa. O rap tirou e tira do crime crianças e adultos desesperançados. E aquele concurso literário que levou o apenado à universidade? E o desfile de moda que devolveu às detentas sua humanidade? E o grupo de teatro que tirou os grilhões de pés e mãos daqueles que mais nada queriam pra depois? Mas a liberdade da arte não se restringe a quem tem o corpo aprisionado pelo motivo que for. A mente, a pequena caixa craniana, ainda é a grade mais potente que um ser humano pode ter. Entre ossos e vasos, ideias são mortas diariamente nas curvas da massa cinzenta de quem ainda não se descobriu artista. Sensação, força da natureza, grito, liberdade. Sim, a arte é tudo isso, e poderíamos encontrar mais e mais metáforas para definir a arte sem, no entanto, explica-la, porque ela é inexplicável. Mas afinal, sela é tudo isso, mas para quê ela serve? Controverso, talvez até cruel tentar dar uma utilidade à arte quando ela é sentida de diferentes maneiras por cada pessoa, mas as expressões artísticas têm uma função que vai além das percepções individuais: ela serve pra eternizar, externar, exprimir, definir, conduzir. Tudo isso? Não, bem mais, mas vamos aqui focar nisso: a civilização só é possível enquanto conjunto homogêneo organizado porque entre nós existem os artistas. Eles nos desorganizam e nos organizam de volta. Eles são os verdadeiros autores da nossa história e, com seu trabalho, são igualmente os mais capazes de mudar o mundo. Arte transforma. Revoluciona. Constrói. Se os artistas tivessem a mesma força dos exércitos, se as artes tivessem o mesmo impacto das balas, não mais haveriam guerras; mentes livres não guerreiam.
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